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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O glamour dos médicos do novelista Manoel Carlos

Foto: Google Imagens

Não é a primeira e nem a segunda novela de Manoel Carlos em que ele coloca os médicos como semi deuses, ou melhor, como deuses, sem nenhum exagero da minha parte e o mais interessante é que o diretor da clínica sempre é o tal do “Dr. Moretti”. Que fixação!
O “ato médico”, como projeto de Lei, acabou de ser votado na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado Federal, o qual deflagra um absurdo abuso de poder, ferindo os princípios do SUS, a autonomia das profissões e limitando o exercício dos demais profissionais de saúde.
Sou a favor da regulamentação da profissão médica, mas não que os médicos possam ganhar a autoridade de interferir em decisões de outros profissionais de outras áreas da saúde, nas quais eles não têm competência, nem conhecimento técnico. Eles poderão indicar ou contra indicar o tratamento numa área de saúde na qual eles ignoram totalmente, pois não estudaram, não fizeram uma faculdade para isso.
Ele não é o grande poderoso das áreas, não estudou todas as disciplinas de saúde, não entende mais que os outro de saúde humana, só mais que o veterinário, pois este cuida dos outros animais, dos de quatro patas, marinhos, aéreos...
Quando falamos de saúde, não podemos nos reportar somente ao corpo e nem a meros procedimentos convencionais. Têm procedimentos hospitalares que os endeusados ignoram, pois são de competência de outras áreas acadêmicas.
Temos que chamar de doutor? Quem fez doutorado? Não fizeram? Mas tudo bem, então chamemos a todos de doutor, uma República completa! Todos os outros profissionais enfermeiros, assistentes sociais... Vamos chamar por respeito ao profissional no contexto clínico, hospitalar, jurídico, como os de escola, onde chamamos todos de professor.
Solicitações corriqueiras, mas direitos iguais para todas as formações profissionais, pois somos todos necessários e importantes e e essa história de ser VIP é a coisa mais brega que já vi!
Vocês sabem o que é VIP (Very important people)? É bem cafona. Depois escrevo um artigo sobre isso.
Quando me chamavam de doutora ficava um pouco constrangida, mas entendi que são demandas naturais do contexto clínico e jurídico, afinal como chamariam uma especialista senão de doutora? Mas poderíamos inventar um termo mais adequado e justo para especialistas e não acho, de jeito algum, que um doutorado seja uma formação superior a esta, são coisas diferentes e ambas têm seu valor.

Deixo claro que não se trata de desvalorizar os médicos, eles são muito úteis, a medicina é necessária, mas é de colocá-los em seus devidos lugares, sem supervalorizá-los fantasiosamente e não deixar que diminuam ou simplesmente excluam os outros profissionais, tão competentes e necessários quanto eles no contexto de saúde.
Simplesmente o autor novelesco parece estar alheio a tudo, dando cada vez mais destaque ao médico na novela, insistindo em colocar o sujeito como o centro das atenções e fazendo o público ouvir exaustivamente frases ridículas como:

“Só médico entende esses termos” (Será que ele nunca ouviu falar em fisioterapeuta?)
"Médico não tira férias, vai a congresso" (Que ilusão...)
“Tem que estudar muito para ser médico” (Só para ser médico tem que se estudar muito? Será?)
“Um médico não para de estudar nunca” (Só o médico? Para não ser um profissional medíocre não se deve parar de estudar nunca!)
“Eu posso, eu sou médico” (Que poder é esse?)
“Médico não tem tempo pra nada” (Que mito! E os jornalistas?)
“Ele é médico, ele sabe o que fala” (Todos os médicos sabem o que falam? Tem certeza? Só acredito se você for médico!)

Com todo respeito aos médicos, inclusive a muitos queridos amigos meus, alguém diga, por favor, ao Manoel Carlos, que só em suas novelas os médicos sabem tudo. Ninguém sabe tudo! Nem Albert Einstein ou Sigmund Freud. Ninguém!
Manoel Carlos tem que conversar com João Ubaldo Ribeiro*, que em seu novo romance, “O Albatroz Azul”, escreve um interessante e inteligente capítulo, onde tem, entre outros personagens, uma parteira e um médico.
A medicina tem que sofrer um abalo, ser reciclada, pois do contrário certamente esta ciência ortodoxa estará falida. O povo está acordando, conhecendo o viés da indústria farmacêutica, entendendo que a saúde é reflexo do alimento e que a qualidade de nossas emoções e sentimentos trazem conseqüências ao nosso corpo físico.
As novas tendências da medicina estão aí, mas nem todos os seres endeusados médicos estão acompanhando.
Cada vez mais encontramos pessoas buscando outros meios de tratamento. Talvez seja por isso esse desejo de dar mais poder ao médico com esse projeto de lei, por saberem que boa parte da ciência médica ainda se refere a uma visão arcaica e ultrapassada do humano, carente de reformulações, que não está acompanhando justamente a evolução das descobertas e que muitas dessas descobertas ainda estão respaldadas somente e absolutamente no equivocado método científico, o método ocidental.
O paradigma ocidental tem como base as noções de validade, controle, predição, neutralidade, num laboratório artificial e controlado e procedimentos experimentais que possam garantir um processo livre de contaminação proveniente dos processos subjetivos. É uma empresa praticamente alienada aos processos sociais, econômicos, culturais, políticos e ideológicos. Para tornar algo “científico” é necessário passar por um crivo rigoroso. Certas verdades sutis se perdem nesse processo, pois não conseguem dar conta de serem mensuradas pelas bases do paradigma ocidental
A medicina não trabalha com a subjetividade, aspecto essencial para o tratamento de qualquer coisa quando falamos de ser humano, ser tão complexo.
Torna-se impossível, neste momento, conceber a subjetividade dentro das perspectivas científicas ocidentais, tendo em vista o nível em que esses paradigmas científicos ainda se encontram em pleno século XXI. Concordando com Edgard Morin, percebo que o momento vivenciado é mesmo o da pré-história do pensamento Humano.
Algumas pessoas ainda estão fixadas em suas idéias e fantasias infantis e dão a impressão de que não cresceram, não transcenderam. A visão que o novelista tem dos médicos é no mínimo infantil, direito dele, mas que não faça o povo brasileiro engolir isso.

Muuuuuuito bom: *João Ubaldo Ribeiro. O Albatroz Azul. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

Por Cintia Liana

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