“Quando eu era pequena minhas maiores aspirações eram conhecer o mundo, ler todos os livros de história, artes e psicologia e ser uma grande e inteligente mulher. Comia comida natural, me tratava com homeopatia, fazia terapia e levava suco de cenoura e beterraba para o lanche da escola.
Ao lembrar disso, olho para minha mãe sorrindo e digo “pobre menina”. Minha mãe responde com um leve sorriso nos lábios, “não brinque com o que dizes, linda e virtuosa mulher.”
Cintia Liana
Filha de pais separados aos 4 anos, fiz terapia aos 9, pois minha mãe achou mais seguro ter alguém de confiança e habilitado caso eu precisasse conversar sobre o fato. Nessa idade, já dizia que seria psicóloga e que seria bem sucedida nessa escolha. Vivia meio a psicólogos, homeopatas, naturopatas, poetas, atores e escritores. Meio a gente "alternativa", intelectual, simples, de mente adiantada, mas não "porra louca", gente sensível e séria, gente de alma, carne e osso.
Aos 4 anos adorava ouvir Rita Lee, Caetano Veloso, Djavan, Maria Bethânia e, é claro, Roberto Carlos, super ouvido na época, seu auge. Ouvia músicas de crianças, mas lembro mais das melodias dos adultos.
Como minha mãe tinha uma loja de produtos naturais e um espaço de arte e cura alternativa com restaurante natural, aos 14 anos já trabalhava meio período, já estudava florais e jogava Tarot, I Ching, gostava de Jung, no meu quarto não faltava incenso "Ananda", queria ler o livro “Não apresse o rio ele corre sozinho” de Sarah Mariot, escutava Trigueirinho e admirava Sartre e Simone de Beauvoir. Tinha uma vida ótima, mas com uma responsabilidade especial, imposta por mim mesma, a de fazer da minha vida a melhor possível, a mais consciente e do meu trabalho a minha missão de vida, com o intuito de também melhorar a vida das pessoas que precisassem de mim.
Meus pais me falaram que desde os 3 anos eu já culpava os políticos pelas obras inacabadas. Repetia, na verdade. E falava um nome de um político corrupto da época. Tinha interesse em ajudar e me preocupava com as minorias.
O meu sonho de ser psicóloga também era dividido com o de ser cantora. Fazia teatro e já cantava desde pequena, era afinada, tinha bom ouvido, bom gosto musical e uma boa voz. Nessa época, como a maioria das crianças, cantava músicas do Balão Mágico, mas também adorava Zizi Possi e Jane Dubok. Fazia pequenos shows em minha casa, oportunidade em que reunia a família e amigos que gostavam de ouvir-me.
Com 15 anos psicossomatização não era novidade alguma para mim. Falei para uma prima de 18, “estou com febre, acho que é porque me aborreci muito com aquele amigo”. Ela perguntou: e o que tem a ver? Hoje não me daria mais o trabalho de responder a uma pergunta dessas.
Com 16 fazia Thai chi thuen e Yoga, mais precisamente Light Exercises de De Rose, após ter experimentado ballet, natação, escola de circo e capoeira quando mais nova. Sempre fiz esportes e nunca precisei de drogas.
Quando acordava, a primeira coisa que fazia era tomar um copo de água antes de ingerir qualquer alimento e só hoje as pessoas estão começando a conhecer os benefícios deste simples ato, após mais de 18 anos fazendo isso.
Não conhecia remédios alopáticos, afinal desde os 3 anos sempre me tratei com homeopatia, quando era necessário. Nunca tinha dores de cabeça ou coisas que eram corriqueiras para a maioria das pessoas. Analgésico? Nem sabia o que era isso. Para mim era estranho sentir dor, ficar doente, mas é claro que tive caxumba e ou leves quadros gripais esporádicos normais do processo de desenvolvimento infantil.
Com 12 anos, mesmo gostando de comer carne, já vivia um dilema, pois sabia dos males que a carne causava ao nosso organismo. Dificuldade de digestão, liberação de toxinas, relações com a qualidade de vida, efeitos na pele... Sou filha de terapeuta e vegetariana.
Sempre escutei, “você é o que você come”, mas só após 25 anos tive o prazer de ouvir isso na TV, e de ver algumas poucas pessoas começarem a entender que há uma reação entre a comida e a qualidade da nossa saúde, mas até isso acontecer eu fui muito criticada quando deixava de comer algo gorduroso porque achava que aquilo me faria mal. As pessoas perguntavam o que é que tem a ver comida com você ficar com o nariz entupido? Essa pergunta me soava como uma grande bomba, uma ignorância absurda, porque para mim era óbvia a relação do alimento com os reflexos do corpo, gordura hidrogenada com produção de toxinas, evenenamento do sangue, efeitos de rinite, dores de cabeça, batata, sem erro.
Hoje em dia vejo os reflexos disso. Se tenho uma dor de cabeça, nunca penso em tomar um analgésico, eu tomo um chá de boldo, ótimo para o estômago e para desintoxicar, queimar gordura. Cinco minutos após o chá de boldo minha dor de cabeça não existe mais.
Minhas colegas da escola já diziam que eu seria psicóloga porque sempre quis entender tudo e a todos e que isso já era algo muito meu. Eu pensava que tinham duas opções, ser uma burguesa comum, com idéias ortodoxas e preconceituosas ou ser uma mulher de mente livre e curiosa, disposta a quebrar barreiras e repetições socialmente impostas.
Por ter tido um educação diferenciada, voltada para as coisas mais ignoradas, que era conhecida por uma minúscula parte da sociedade, por vezes me fazia ter um vocabulário e interesses bastante deferentes das crianças de minha idade, isso dificultava um pouco minhas relações, mas me fazia ter uma vida com uma qualidade muito superior, mas eu não entendia muito bem isso e em como essa qualidade poderia me ajudar ao invés de atrapalhar.
Na medida em que o tempo foi passando eu fui usando tudo a meu favor e entendendo essa diferença em minha educação e em como isso poderia honestamente me favorecer.
Continuo tendo uma vida e pensamentos um pouco diferentes, sou exigente com a qualidade das coisas. Estou atenta a ingestão saudável de alimentos, apesar de não ser adepta a alimentação natural; não engordo com facilidade, não passo dos 55 kg então como tudo o que gosto e exagero se quiser, sem a mínima culpa. E se eu precisar, tomo um bom chá de boldo depois.
Meus pais, separados há quase 30 anos, são super amigos para o que vier.
Não sigo nenhum dogma ou religião, não preciso de nada que me diga o que é certo ou errado. Meu eu superior é meu maior guia que me liga ao mundo. Entendo a noção de sistemas que explica o conceito de subjetividade, entendo Jung e gosto de física quântica e isso dá mais segurança que qualquer religião, isso ensina e entender a vida sem palavras de manipulação. Quando raramente me refiro a Jesus é sobre um dos seres humanos mais lindos que já ouvi falar, não o Jesus religioso.
Não invado o espaço dos outros, não desejo mal ou desrespeito. Respeito o meu corpo, a minha alma. Sou solidária e sempre desejo ser alguém melhor, com escolhas melhores e amar sempre mais a todos.
Gosto do que é bom, não usaria bolsas nem sapatos de couro sintético porque acho brega. Se posso usar de couro verdadeiro porque me contentaria com imitação? Se não pudesse usar de couro preferiria comprar de tecido, o simples e verdadeiro me agradam muito mais e não me dá medo ser simples. Acredio que a qualidade das coisas vai influenciando em sua vida, mas não ligo para marcas, não quero o que é de ninguém, para mim dinheiro não é o principal e o dos outros não me interessa.
Me permito sentir raiva sim, isso é real, um sentimento humano natural, mas o que faço com minha raiva é o que me diferencia, não faço mal a ninguém. Intrigas ou fofocas de jeito nenhum, isso não me alimenta, não me gera prazer. A energia da raiva em mim é encaminhada para o lugar certo, para a fala, com quem confio, e para o choro, quando preciso. Ou seja, minha região é a prática e não a teoria repetida e programada.
Tenho dificuldades que quero superar, coisas vulgarmente chamadas de defeitos, mas não uso essa palavra, pois somos humanos e podemos ajustar, transcender.
Às vezes sou egoísta, individualista, apegada e infantil. Tenho várias coisas que desejo mudar e faço o maior esforço todos os dias para melhorar. Tenho orgulho de mim quando consigo sentir vergonha de algo que fiz e consigo entender que era errado. Confio em mim mesma para me desmascarar na frente do espelho.
Não gosto de competir, cada pessoa tem seu valor, tenho a mais absoluta certeza de que sou única e o outro também.
Detesto sentir-me rejeitada e quando sou magoada e perco a confiança em alguém não volto jamais a confiar e mantenho distancia para sempre, mesmo perdoando dentro de mim.
Costumo confiar muito nos outros e falar dos meus planos e isso é péssimo, os invejosos me sugam quando podem, hoje estou mais protegida.
O meu hoje é reflexo dos meus atos, eu sei que sempre serei a principal responsável por minha vida e pelo que me acontece. Desde cedo percebi isso em processo terapêutico.
Só ouço o que é bom. Não me permito ouvir uma música de baixa qualidade, com letras vulgares ou medíocres. Ouvir o que é ruim banaliza e acostuma. Também não quero me acostumar a assistir o que não presta na TV ou falar besteiras, repetir frases preconceituosas ou machistas, isso também entra na nossa vida sem que a gente perceba e quando nos damos conta estamos também repetindo os modelos arquetípicos de maneira mais pobre.
Sou uma estudiosa nata, gosto de ler e entender os mistérios que uma boa parte das pessoas nem sabem que existe. Adoro artes, plásticas, corporais, cênicas, musicais e a arte de ser. Sei apreciar os outros.
Aprendi um pouco tarde a não dizer tudo o que penso e a tolerar certas coisas ao meu redor, para não sofrer de mal humor e nem parecer chata.
Não sigo moda, uso o que gosto,uso o que me faz bem. Não tenho muito medo de parecer diferente, para mim isso é inteligência, seguir o próprio ritmo e poder respeitar isso, mesmo que ninguém entenda ou ache estranho. Sou suficientemente segura para lançar minhas modas e não seguir alguma imposta ou ter que usar roupas caras para provar o meu valor. Não sou entendedora de marcas, isso nunca tomou espaço em minha memória ou fez minha cabeça.
Interpretei e já cantei muito, principalmente na época da faculdade, cantei em barzinhos, fui cantora do grupo instrumental e solista do coral da PUCC, onde fiz faculdade. Há 9 anos e meio sou psicóloga, pós-graduada em Psicologia Conjugal e Familiar, voltando para a Itália com o desejo de fazer outra pós-graduação em família, desta vez em Milão. Fui chamada de “Fada da adoção” por um jornal da cidade onde nasci, Salvador-BA, e por um grupo de pais de “fada dos pais adotivos”, devido ao amor que tenho à causa da criança abrigada à espera por uma família substituta. Coisas que me deixam feliz e orgulhosa de minha trajetória de vida.
Fico pensando que cada escolha nossa na vida, por menor que seja, pode mudá-la radicalmente para sempre, tudo está minimamente interconectado e mudando de configuração a todo instante e ter essa consciência traz uma sensação às vezes pesada de responsabilidade quando se faz escolhas, pois não são simples escolhas, são escolhas para a vida toda porque mudará toda a cadeia de acontecimentos futuros.
Sobre a minha ida para a Europa digo que amo o Brasil, a minha cidade, sou patriota, mas meu noivo italiano diz que eu sou a Brasileira mais européia que ele conhece. Gosto dessa frase por não admirar mesmices, gostar de tudo o que o meu País oferece, não gosto de carnaval por exemplo, não seria autêntico da minha parte se falasse que gosto só para agradar, há coisas no Brasil que me desagradam, não sou piegas, seria hipocrisia porque não gosto mesmo de algumas coisas.
Estou adorando experimentar morar fora de meu País, pois estou no mundo, viva, aprendendo e isso é o que importa. Sinto saudades, mas voltarei, conhecerei outras coisas, isso é viver.
Ter uma educação diferente pode ser desagradável quando se é inseguro e infantil, mas o que pode tornar agradável é a nossa capacidade de enxergar essa diferença como um processo das escolhas conscientes e colocar as coisas a nosso favor, sem discriminar, sem recriminar e tendo um senso de auto respeito bem apurado, porque respeito não é só necessário com os outros mas também muito importante para com nós mesmos.
Meu vício é por bom gosto, bom senso e refinamento e isso nada tem a ver com dinheiro ou status social, tem a ver com boa educação espiritual, qualidade emocional, consciência e desejo de alma.
Cintia Liana
“Uma pessoa pode ser descrita por aquilo que a cerca”.
Do ensaio de João Moreira Salles, “O Homem que escutava”, a propósito de Joseph Mitchell, no livro “O Segredo de Joe Gould”.
Por Cintia Liana